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ARRITMIAS VENTRICULARES

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Arritmias ventriculares podem ocorrer em pacientes com ou sem doença cardíaca estrutural de base. Iniciaremos nosso texto revisando os principais conceitos por trás dessas arritmias e, em seguida, abordaremos as indicações e modalidades de tratamento para cada uma delas. Vamos juntos?

Definições

O termo extrassístole ventricular refere-se a qualquer ritmo que se origina abaixo do nó atrioventricular, seja dos miócitos ou do sistema His-Purkinje. Se houver 3 ou mais batimentos consecutivos a uma frequência superior a 100bpm, definimos a taquicardia ventricular. Do contrário, se a frequência for inferior a 100bpm, chamamos de ritmo idioventricular acelerado.

É importante diferenciarmos as taquicardias ventriculares entre sustentadas e não sustentadas. Diz-se que uma taquicardia ventricular é sustentada quando desencadeia sinais e sintomas de baixo débito cardíaco ou quando perdura por mais de 30 segundos. Do contrário, chamamos de não sustentada.

Por último, devemos diferenciar as arritmias ventriculares entre monomórficas, quando há uma uniformidade na morfologia do QRS, e polimórficas, quando há mais de uma morfologia do QRS. Essa definição tem importante implicação terapêutica.

Fisiopatologia

Existem 3 mecanismos principais de arritmias ventriculares: atividade deflagrada, automatismo anormal e reentrada. A atividade deflagrada ocorre devido pós potenciais tardios na fase 4 do potencial de ação, com liberação diastólica do cálcio intracelular. É o mecanismo desencadeante da TVNS e das ectopias ventriculares isoladas mais comumente. Nesses casos, cada batimento é um evento desencadeado pelo batimento anterior. No caso das ectopias ventriculares isoladas, o batimento sinusal é que desencadeia o batimento ectópico. O automatismo anormal é o mecanismo desencadeante do ritmo idioventricular acelerado, comumente visto no cenário de reperfusão miocárdica nas síndromes coronarianas agudas com supra-ST. No caso das TVs sustentadas, reentrada é o mecanismo predominante. O início do processo se dá quando uma ectopia ventricular encontra uma área de fibrose com condução lenta. Devido à condução unidirecional nessa região, o estímulo desce apenas pela via lenta até conseguir subir pelo local que estava previamente bloqueado. Deste modo o impulso reestimula o ventrículo e desce novamente pela via de condução lenta, fechando o circuito.


Arritmias ventriculares polimórficas resultam de anormalidades patológicas da repolarização. São tipicamente associadas a desequilíbrios eletrolíticos, drogas que prolongam o QT, insuficiência cardíaca, canalopatias ou isquemia aguda.

Naqueles pacientes sem cardiopatia estrutural, o mecanismo das TVs não é completamente entendido. Mais comumente essas arritmias se originam da via de saída do VD (VSVD) ou via de saída do VE (VSVE).

Origem

Além das já citadas VSVD e VSVE, a região paravalvar aórtica. a rede de purkinje, os músculos papilares, o ápice do VE e a cruxcordis são sítios de origem das arritmias ventriculares.

Diagnóstico (abordagem prática)

No diagnóstico diferencial de taquicardias de QRS largo, na ausência de ritmo de marcapasso, existem 4 possibilidades: taquicardia ventricular, taquicardia supraventricular com bloqueio de ramo prévio, taquicardia supraventricular com bloqueio de ramo induzido pela frequência cardíaca e taquicardia supraventricular com condução por via acessória. Existem alguns critérios classicamente utilizados para tentar diferenciar as taquicardias ventriculares das demais possibilidades, visto que existem implicações terapêuticas. Dada a complexidade dos critérios de Brugada (o mais utilizado na prática) para uso disseminado por médicos menos experientes, uma alternativa razoável é considerar toda taquicardia de QRS largo como taquicardia ventricular e conduzi-la como tal, visto que 80% das taquicardias de QRS largo são TV. Na vigência de cardiopatia estrutural ou isquemia miocárdica, a probabilidade do diagnóstico ser TV é ainda maior (até 95% dos casos).


Critérios práticos para diferenciar TV das demais taquicardias de QRS largo:

– Dissociação atrioventricular é sempre TV;

– QRS > 160ms sugere fortemente TV. Se for morfologia de BRD, maior que 140ms;

– Eixo do QRS no quadrante superior direito sugere sempre TV. Em caso de morfologia de BRD, desvio do eixo para esquerda também sugere. Se for morfologia de BRE, eixo desviado para a direita;

– Onda R inicial e predominante em aVR sugere TV;

– Olhe para as derivações D1, D2, V1 e V6. Se 3 ou 4 dessas forem predominantemente negativas ou se pelo menos 2 forem (incluindo D1 ou V6), é diagnosticada TV;


Tratamento

  • Agudo

No contexto agudo a prioridade deve ser sempre restaurar a estabilidade hemodinâmica quando necessário. Por esse motivo, pacientes instáveis hemodinamicamente devem ser submetidos de imediato à cardioversão elétrica sincronizada conforme preconizado no ACLS.

  • Crônico

Ectopias ventriculares idiopáticas: aqui a escolha quanto ao tratamento dependerá principalmente dos sintomas, da presença de cardiopatia estrutural e da carga de ectopias no Holter 24h. Na prática clínica, devemos suspeitar de taquicardiomiopatia quando houver uma carga significativa de extrassístoles ventriculares (cerca de 20%), dilatação e disfunção ventricular esquerda, além de ausência de outra causa que justifique o quadro clínico. A resolução parcial ou total da disfunção é esperada com o tratamento farmacológico ou ablação. Não há indicação formal de se tratar extrassístoles ventriculares caso sejam assintomáticas e sem disfunção ventricular associada, entretanto, na prática clínica, frequentemente vemos pacientes com alta carga de ectopias sendo tratados, independente dos sintomas ou cardiopatia estrutural. Importante ressaltar que em pacientes com alta carga de ectopias e disfunção ventricular deve ser considerado realizar ressonância magnética cardíaca para investigação de outras etiologias (doenças infiltrativas, miocardite e CMH principalmente).


Ling e colaboradores compararam a terapia farmacológica com ablação por radiofrequência em pacientes com ectopias ventriculares de VSVD e concluíram que a terapia ablativa é mais eficaz em diminuir a carga das ectopias e prevenir recorrências.Além disso, pacientes com cardiopatia isquêmica têm melhor resposta à terapia ablativa em comparação àqueles com cardiopatia não isquêmica.


TV monomórfica idiopática

As originadas da VSVD, sítio mais comum, podem ser desencadeadas por exercício em até 50% dos casos. A transição de onda R em derivações precordiais geralmente é tardia, enquanto na TV de VSVE essa transição ocorre mais precocemente (V2). A terapia farmacológica pode ser realizada com betabloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio, às vezes capazes de controlar sintomas e reduzir a carga de arritmias. A terapia ablativa é eficaz em 80-100% dos casos. Entretanto, seu sucesso depende da origem da arritmia. Ectopias da VSVD respondem melhor do que VSVE, enquanto sítios epicárdicos e intramurais profundos apresentam resultados piores.

TV fascicular

É uma arritmia idiopática e rara, mais comum em homens jovens, que se caracteriza por apresentar excelente resposta a verapamil, tanto nos episódios agudos quanto para prevenção de recorrência cronicamente. Ablação fica reservada para os pacientes que não respondem à medicação.

TV monomórfica por reentrada

Naqueles pacientes com fibrose miocárdica que evoluem com TV monomórfica, existem algumas opções terapêuticas. Procainamida tem sido considerada a medicação mais eficaz nesse cenário, porém tem as desvantagens de alargar o intervalo QT, associar a hipotensão e efeito inotrópico negativo. Amiodarona pode ser usada como alternativa, inclusive em pacientes com disfunção renal, porém seu efeito pode demorar até 1h para ocorrer. Sotalol, bem como procainamida, deve ser evitado em pacientes com alargamento de QT e disfunção renal, porém é uma alternativa a ser considerada. Por último, a lidocaína, embora possa ser utilizada em pacientes com disfunção renal e tenha menor risco de causar hipotensão, é considerada a menos eficaz dentre as drogas citadas, podendo ser utilizada sobretudo associada à amiodarona em pacientes refratários a essa medicação isoladamente. Contudo, nas TVs monomórficas no contexto de síndrome coronariana aguda a lidocaína é uma excelente escolha.Com relação à terapia ablativa, sabe-se que é mais eficaz em pacientes com cardiopatia isquêmica do que naqueles com cardiopatia não isquêmica.

Displasia arritmogênica de VD (DAVD)

Nos pacientes com TV associada a DAVD, o tratamento de escolha consiste no implante de CDI associada a terapia ablativa, já que esse é superior ao tratamento farmacológico. Sotalol é a medicação mais utilizada nesse contexto.

TV polimórfica

As taquicardias ventriculares polimórficas, quando identificadas em exames de rotina devem prontamente motivar investigação adicional de alterações metabólicas, estruturais, isquêmicas ou medicamentosas que as justifiquem. Caso seja identificado fator desencadeante sua correção é prioritária. Entretanto, caso nenhuma etiologia seja identificada, o implante de CDI deve ser considerado.

Ectopia ventricular de VSVD. Observe a morfologia de BRE em V1 e a polaridade do QRS positiva em D2, D3 e aVF (eixo inferior). Imagem gentilmente cedida pela Dra. Gabriela H. Berbert



Bigeminismo ventricular. Imagem gentilmente cedida pela Dra. Gabriela H. Berbert

Par de ectopia ventricular. Imagem gentilmente cedida pela Dra. Gabriela H. Berbert

Taquicardia ventricular. Imagem gentilmente cedida por nosso colaborador Dr. Victor Hugo B. de Oliveira

Referências:

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