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SÍNDROME CORONARIANA AGUDA (SCA) COM SUPRA ST TRANSITÓRIO

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Na prática, ainda hoje em 2022, podemos dizer que a SCA com Supra ST Transitório é um tema repleto de lacunas e interrogações. Prova disto, é que a própria definição conceitual não é unanimidade na literatura, e nem mesmo as principais diretrizes mundiais trazem de forma clara o perfil epidemiológico, manejo terapêutico admissional e prognóstico dos pacientes com essa apresentação clínica. Por isso, nosso objetivo é fazer uma revisão das mais robustas e atuais evidências científicas.

Selecionamos trabalhos publicados entre 2016 e 2022, tanto Coortes retrospectivas e prospectivas, na maioria com amostras de algumas centenas de casos, como também alguns Ensaios Clínicos randomizados, inclusive multicêntricos, com amostras que giravam entre 1-2 centenas.

O conceito mais amplamente aceito para SCA com supra ST transitório define-a como os casos em que o paciente com “Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) com supra ST tem resolução espontânea dos sintomas e das alterações eletrocardiográficas antes do início da terapia de reperfusão”.

A incidência desta entidade pode variar na literatura entre 5 a 25% dos casos gerais de SCA com supra ST. O baseline clínico destes pacientes tem algumas características marcantes. Existe uma interseção entre todas as produções no que diz respeito a demonstrar que são pacientes mais jovens, mais tabagistas e menos hipertensos que os paciente com apresentação clássica de SCA com supra ST fixo. Algumas publicações adicionam que são também menos diabéticos e mais dislipidêmicos, mas similarmente também com maior taxa na população masculina.

Do ponto de vista de achados de anatomia intracoronariana, os casos de SCA com supra ST transitório estão relacionados com menor carga de trombo e menor extensão de doença coronariana global (incluindo território culpado pelo evento agudo e território não culpado). Também no momento do cateterismo encontramos em um pequeno registro cerca de 25% dos casos uma oclusão total da artéria culpada, em cerca de outros 25% dos casos padrão de suboclusão com fluxo TIMI 2 e nos demais 50% fluxo coronariano satisfatório apesar de lesão crítica ainda instalada em substancial percentual das vezes (recanalização parcial com boa perfusão). No que tange aos achados de repercussão miocárdica, comparativamente aos casos de IAM com supra ST fixo, os exames de imagem e laboratoriais revelam infarto significativamente de menor tamanho à ressonância magnética e taxa de Fração de Ejeção (FE) preservada significativamente maior em fase precoce e tardia do seguimento, o que são corroborados também por significativo menor pico de Troponina e Pró-BNP em até 24h após o início do quadro clínico. Todo esse perfil de achados anatômicos, funcionais e bioquímicos se traduzem em considerável menor taxa de mortalidade tanto intra-hospitalar, como em follow-up curto de 30 dias ou longo de até mais de 3 anos (máximo de 5 anos), além de também menor taxa de reinfarto nos mesmo seguimentos temporais.

Sabemos então qual a definição e temos qual o perfil epidemiológico, clínico e prognóstico destes pacientes.

Mas como manejar então esses pacientes que parecem pertencer a um subgrupo claro de melhor desfechos entre os pacientes acometidos por SCA com supra ST gerais ?

Todos os trabalhos trazem idêntica estratégia farmacológica otimizada guiada pelas evidências e recomendações mais atuais dos guidelines. Nelas temos as sólidas indicações de dupla antiagregação e de estatinas preferencialmente de alta potência, além de quando necessário e/ou indicado e ausentes contra-indicações, no contexto de fase aguda e/ou cônica, o uso de nitrato, oxigenioterapia, morfina, heparina, beta-bloqueadores, inibidores da enzima conversora de angiotensina ou  bloqueadores do receptores de angiotensina e antagonistas de receptores de mineralocorticóide.

Mas quando trata-se do “timing ideal” para a revascularização encontramos um dilema prático. Tratar esse perfil de apresentação aparentemente mais “benigna” com estratégia primária igual aos pacientes com supra ST fixo ou tratá-los com o “delay” da estratégia invasiva precoce (delta T idealmente entre 12-24h)  igual aos pacientes com SCA sem supra ST de risco intermediário a alto ?

Dentre os artigos selecionados, tanto os de Registros Observacionais quanto os Ensaios Clínicos randomizados, quando comparado entre apenas os próprios pacientes com supra ST transitórios tratados com estratégia de revascularização imediata (primária) ou precoce (12-24h) encontraram igual taxa de desfechos funcionais (área de infarto e FE) e clínicos (morte, reinfarto) em seguimento intra-hospitalar, subagudo de até 30 dias ou tardio de até no máximo 2 anos (não encontramos seguimentos de desfechos maiores que 2 anos para essa comparação proposta). Diante desses resultados é válido dizer que os pacientes com supra ST transitório podem sim ser encaminhados para sala de hemodinâmica para reperfusão mecânica dentro de uma estratégia não imediata (primária) e sim precoce com delta temporal de até 24h, sem prejuízo para o doente.

Mas o que acontece para que haja esse perfil de aparente maior “benignidade” dos achados anatômicos e funcionais e da melhor resposta evolutiva, facilmente vista através de menores MACEs após tratamento dos pacientes com SCA com supra ST transitório quando comparados aos pacientes com supra ST fixo (quadro “clássico”) ?

Ainda não temos clara elucidação do mecanismo fisiopatológico envolvido. Entre as teorias, uma defende a plausibilidade de que estes sejam pacientes  com maior atividade fibrinolítica endógena. Para isso, algumas pesquisas fizeram medidas, por exemplo, do tempo de lise do coágulo, que demonstrou-se mais reduzido nos pacientes com Supra Transitório. Mas trataram-se de  metodologias muito limitadas por diferentes fatores, como amostras de pacientes bastante reduzidas, análise de subgrupos, inúmeros confundidores clínicos não filtrados por análises de interação, além de testes realizados em tempos heterogêneos e arbitrários.

Referências:

1.    G.N. Janssens, J.S. Lemkes, N.W. van der Hoeven et al. Transient ST-elevation myocardial infarction versus persistent ST-elevation myocardial infarction. An appraisal of patient characteristics and functional outcome. International Journal of Cardiology 336 (2021).

2.    Meisel et a. Transient ST-elevation myocardial infarction: Clinical course with intense medical therapy and early invasive approach, and comparison with persistent ST-elevation myocardial infarction. American Heart Journal Volume 155, Number 5.

3.    J.S. Lemkes et al. Timing of revascularization in patients with transient ST-segment elevation myocardial infarction: a randomized clinical trial. European Heart Journal (2019), 40, 283 – 291.

4.    Brian A. Bergmark and David P. Faxon. Transient ST-segment myocardial infarction: a new category of high risk acute coronary syndrome? European Heart Journal (2019), 40, 292 – 294.

5.    Lumir Koc et al. Primary percutaneous coronary intervention is appropriate in transient ST-elevation myocardial infarction. Biomed Pap Med Fac Univ Palacky Olomouc Czech Repub. 2022 Jun; 166(2):180-186.

6.    David S. Blondhei et al. Characteristics, Management and Outcome of Transient ST-Elevation Versus Persistent ST-Elevation and Non-ST-Elevation Myocardial Infarction, The American Journal of Cardiology (2018).

7.    Bernhard Metzler. Transient STEMI – No STEMI at all? International Journal of Cardiology 339 (2021) 12–13.

8.    Badings et al. Early or Late Intervention in Patients With Transient ST-Segment Elevation Acute Coronary Syndrome: Subgroup Analysis of the ELISA-3 Trial. Catheterization and Cardiovascular Interventions(2016).

9.    Janssens et al. 1-Year Outcomes of Delayed Versus Immediate Intervention in Patients With Transient ST-Segment Elevation Myocardial Infarction. JACC: CARDIOVASCULAR INTERVENTIONS VOL. 12, NO. 22, 2019, 2272 – 82.

10.   Gunjan S. Josh et al. Chest pain with transient st segment elevation do we need coronary angiogram. JACC May 11, 2021 Volume 77, Issue 18.

Autor: Cardiologista pelo Hospital São Lucas Rede Dor – Sergipe. Cardio Emergencista e Diarista do H. São Lucas Rede Dor e Hospital Unimed – Sergipe.

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